A Poesia de Juliana

  • Juliana Caymmi – cantora • compositora • poeta

A conversa das mãos
Elas dizem mais que qualquer parte da gente
quando se entrelaçam.
Conversam, dançam, queimam.
A minha e a sua, juntas. Quanta intimidade misturada...
Se tocam, se apertam, e ficam no silêncio, às vezes.
Na delícia constrangida do silêncio das palavras,
quando nossas bocas ficam mudas,
é quando repousam nossas mãos.
Se aquecem com força, num aperto solene
e se calam no tempo,
tentando tocar a eternidade.
- Juliana Caymmi

§§

Água e ar
Sou de um jeito menos ar
Água que flui, entra por todos os lugares...
Fui me derramando por aí, até desaguar em você.
Num encontro com a força da natureza, dos sonhos de Deus.
Tudo o que eu fui se refaz e te faz rir
Contraste com sua razão “desrazão”.
Ar que me toma, ar que me falta, ar que ocupa meus cantos
Me preenche, me dá a vida num gesto,
Me dá a vida num beijo.
As minhas manhãs são agora mais cheias de riso e de cor
Nessa dança, “Nossa dança”...
Eu agora tenho par para dançar a vida.
- Juliana Caymmi

§§

Benquerença
Sonhei sonho de menina
coisa de mulherzinha
coisa que já não cabe
nos sonhos de hoje em dia.
minha vida não é vazia
enfeito meu dia a dia
com minha infantil inocência
essa benquerença
essa imprudência
esse palavrão de bem querer...
digo não à brevidade
leveza da superfície
sorrisos formais, disfarce.
atrevimento da minha parte
querer sentimentos alheios
desvendar segredos
revelar almas escondidas atrás do medo
- Juliana Caymmi

§§

Drama
Minha alma é uma carcaça que não se mantém de pé
vou com minhas últimas lágrimas e todos os meus silêncios
para o meu porão
tenho prazer em sentir pena de mim
e sei que ninguém terá, mais pena ainda tenho de mim
o politicamente correto não permite a tristeza de ninguém
Subverto. Bolero de Ravel, Piazolla, Dolores...
dramas me satisfazem quando não há mais nada
o rímel borra, bolsas se formam por debaixo dos olhos inchados
eu sou essa que chora na calçada ao meio dia
nas ruas ensolaradas de óculos escuros
no velho travesseiro amarelado da infância
agarrada ao meu velho urso de pelúcia na cama
as estrelas não são pessoas mortas no céu
vou até a última gota de dor
até que me converta em súbita leveza
no vão da tristeza a poesia me salva
- Juliana Caymmi

§§

Neste deserto tem flor 
Minha poesia desnecessária
Nossa caso inexistente
Minha saia levantada
Minha alma insolente
Minha boca insistente
De um beijo que vem no vento
Revisitado nas horas
Dentro do pensamento.
Haja poesia
Pra pouco alento
E muita urgência
E a benquerença
De um corpo ausente.
Que nem posso saber se sente
O que o meu sabe de cor
É sentimento maior, mistura luz e calor,
É o que faz nascer a flor
No meio do desse deserto
- Juliana Caymmi

§§

Tropeços
Um dia de inverno quente
Eu pensava sobre a minha vida em quase todo instante
Especialmente naquela tarde ensolarada o bastante para me exaurir
Meu velho costume de antecipar o futuro prosseguia
E andava pela calçada de pedras portuguesas malditas
E meu salto agarrava me deixando mais patética
E o suor escorria pela minha perna
Minhas porcas misérias, meus silêncios medrosos
Pensava no preço da carne no supermercado
Pensava nos meus erros mais profundos
Na  imagem da sua barba engraçada e mal feita
E eu sabia que ainda te amava
Mesmo sem saber mais de nada
E pensava em  como me perdi de mim
Em algum tropeço do passado que não volta, mas assombra.
- Juliana Caymmi

§§

Esse mundo aqui é seu
Olhar-te
Em segundos imensos
Nesse tempo que não obedece a razão.
Dizer-te
Em poesias bem intencionadas,
Canções subversivas,
Lirismo barato,
Frases tortas:
Esse mundo aqui é seu.
- Juliana Caymmi

§§

Poemas de gaveta
Restou-me
Esse cachorro velho
Camisas fora de moda
Uns poemas de gaveta.
O amor quis me jogar na lama,
e jogou.
Restou-me
Esse sorriso farto
Alguns amigos loucos
Uns poemas de gaveta
Não revistos, intocados,
Amarelos, desbotados.
Tão puros e inocentes
Feitos antes da lama, antes
da chama,
Antes de saber seu nome,
Antes de sentir seu gosto.
Restou-me
Alguma dignidade
Mantida a alto preço
Esse cachorro louco
Amigos fora de moda
Camisas velhas
Uns poemas de gaveta
Nunca lidos por ninguém
- Juliana Caymmi

§§

Pó e alma
Ele me disse uma vez:
Não quero coroa de flores no meu enterro
não quero enterro
não quero  cheiro de margaridas deterioradas
não quero algodão no meu nariz
nem pessoas fingindo sentir minha falta
não quero caixão  decorado de madeira talhada com detalhes dourados
nem reza de padre
nem pranto, nem vela
nem anúncio no obituário
nem compaixão de inimigo

acredito em vida após a morte
acredito em uma vida melhor
que haja festa em minha partida
se eu não tive uma vida digna
que pelo menos a morte  me seja mais leve e mais bonita! 
- Juliana Caymmi

§§

Sóis
Uns olhos escuros
Sem pupila.
Escuros...
Escuros em noite fechada.
E de repente
Nascem dentro deles todas as perguntas,
sem palavras.


E de repente
Quase que me assusto
Naquele escuro imenso...
Pois estrelas luzidias
Nascem em segundos eternos
Para virar canção.

Uns olhos escuros
E cheios de coração,
De vontade de correr o mundo,
De vontade de ficar também,
De vontade de quebrar as regras,
De vontade de dizer amém.

Se fosse tão simples saber
Não seria tão bom descobrir
O que há em ti
Que se faz em mim
Quando estamos sós
Que renasce em nós
Sóis à noite e de dia,
Alegria do que somos
Clareando tudo.
- Juliana Caymmi

§§

Maçã do amor
Azul turquesa e o sol esparramado em raios absolutos
Ele na minha frente me olhando com cara de interrogação
Estou sem paciência
Se ele ficar por aqui mais 5 minutos com essa cara de santo voo em seu pescoço
Vontade de ir embora
Gosto de parques de diversões, quero comer maçã do amor
Porque o amor mesmo já me falta
Tão bom quando o medo que tínhamos na  vida era o de trem fantasma ou de bicho papão.
Pior mesmo é quando a gente descobre que tem medo de gente
Aí é quando viramos adultos finalmente
E isso não tem volta
Tenho vontade de morar na Escócia
E eu nem gosto de uísque, mas cismei com a Escócia
Gosto de dias nublados porque sou nublada demais. Melancolia prazerosa.
Meus sonhos irrealizáveis...
É bom ter um sonho, ainda que estranho , ainda que impossível.
É bom ter um sonho
Nem que seja para se fingir que a vida é boa
Iria para qualquer lugar que não me conhecessem
Não soubessem meu nome, minha origem
Página em branco
O ruim mesmo é que essa vida é muito, muito longa...
- Juliana Caymmi

§§

Mais um cigarro
Então era dia novamente
mais um dia dentre tantos outros vividos
arrastados, consumidos.
Então era dia novamente
e o mesmo sol raiado e irritante
minhas cortinas velhas
meu jeans que ainda não cabe
dormindo no armário
O meu desespero novamente
você que não liga nunca
a dor que não cessa nunca
e as contas que sempre chegam
O céu esta turquesa
me afronta com sua eternidade
mais um cigarro, por favor
quero me esconder por de trás da fumaça
ai, que vidinha chata...
- Juliana Caymmi

§§

Loucura necessária
Luas inabitadas
ventos cálidos
vozes mudas
desertos úmidos
chuvas ácidas
um som de lata
um uivo de cachorro velho
um livro comido pela traça
um abraço abandonado
uma taça pelo meio
de um vinho amargo
seu beijo que nao veio
meu coraçao descompassado
imagens fragmentadas
de um eu sem eu sem nada
- Juliana Caymmi

§§

Dois
Existe um laço invisível, um abraço sempre possível,
Existe o imponderável, a surpresa do acaso e a simplicidade mais simples.
Não evito e relaxo, amor amado e sentido.
Por isso, mil vezes me submeto à beleza de ter nascido
esse amor desesperado
e calmo com um rio
e certo como o tempo.
- Juliana Caymmi

§§

Exôdo
Resolvi espantar o pó
Abrir as janelas para o sol espalhar luz
Clarear os cantos sombrios, intocados, guardados...
Calar pensamentos soltos,
Matar fantasmas do tempo.
Em poucos momentos obtive êxito no êxodo.
Visitei outros lugares,
Provei outros beijos,
Tentando em desespero patético
Fugir de nossa magia cristalizada.
Desrespeitei as regras que inventei
De te conservar pra sempre.
E até pensei que fosse livre...
Mas quando vi a foto que você sorria
Como um menino de olhinhos fechados
Me transbordou a saudade
Onde seu sorriso mora agora a todo instante.
Já não tenho como lutar
Jogo a toalha
Não tenho armas
Sinto o gosto de sua falta
E não chega a ser amargo
Pois ainda há esperança.
Foi difícil perceber
Que ainda não vou aonde quero
Ainda não mando em mim
Ainda te espero.

§§

Talvez
O barulho do ventilador. Contínuo.
Uma noite quente como outra qualquer, mas diferente...
Um zumbido de mosquito, no ouvido.
O sono é uma promessa na noite escura.

Seu rosto vaga pelos meus pensamentos
E seus olhos se mantêm no espanto.
E como um santo, você vai pro altar,
Onde eu rezo a minha reza cega
E ouço cânticos de agonia.
Hoje sou o que era ontem, mas diferente.
Hoje a sua idéia existe, vem e vai, insiste.
Mas de repente estou mais resistente
E seu manto vai se desfazendo
E seu olhar aos poucos escurecendo
E você vai se distanciando
E vai sumindo como em uma névoa
Como uma agulha dentro de um palheiro
Como a formiga no açucareiro.
E já não sou aquela que suplica
Aos pés da tua cruz que eu tanto carreguei
Talvez você não me visite mais
Talvez , talvez, talvez, talvez...
- Juliana Caymmi

§§

Assim é você em mim...
Há em você uma delicadeza
uma beleza aristocrática e
como contraste,
uma simplicidade comovente.
Há em você tudo que gosto
inconstante e permanente,
Sólido e líquido
Pensamento e coração.
Um abraço forte,
um caráter firme.
O samba te leva na avenida
e você vai sambando no chão
apesar de ter a mente valsando nas nuvens.
Rosa dos ventos
Brisa da Guanabara
Vinho na madrugada
Varanda por testemunha
Braços que me apertam
Beijo verdadeiro
Meu belo companheiro
nessa vida insana.
Paz que não sei explicar
Assim é você em mim
Somos eu, você e o mar aberto...
Agora e sempre, amar.
Pois que agora tenho par
para dançar
Para dançar
Para dançar
- Juliana Caymmi

§§

O sono dos justos
[p/ Fernando]

Eu te observo tão docemente
ao dormir o sono dos justos
quase me acho no céu
e quase posso sentir
que ainda mora uma criança em nós.
Me sinto deliciosamente sem graça
por resistir uma ternura em mim já esquecida
esse meu jeito de te acolher e te velar
me torna mais quem eu sempre fui um dia
e descubro que não foram capazes de me roubar
esse olhar que agora te dou
ainda que você não possa ver.
Não vou atrapalhar seu sono
prefiro vê-lo sonhar
e me deixar levar para outro lugar
em um tempo longe que se refaz.
- Juliana Caymmi

§§


Naufrágio
Se eu tivesse assim
bem dentro da sua alma
poderia estar calma
como aquele riachinho
que passa bem de mansinho
enfeitando a natureza.
não estaria velha
nem me olharia de canto
ao passar no espelho.
seria a própria beleza
e toda a sua certeza no mundo
nao teria mil perguntas
me cortando pelo meio
nem de noite, pesadelos
nem de dia, calafrios
nem desvarios, nem arrepios
nem navios naufragando
nem luzes apagadas, nem portas fechadas,
nem o uivo de um vento sombrio
dentro do meu pensamento.
- Juliana Caymmi

§§

Um dia marcado
Sangue assustador
aterrorizante
dando sua sentença
me calando a voz, me deixando imóvel
e um mundo rodando...
Não deixa a escolha pela vida
não deixa ela aparecer, vingar, florir!
Como eu queria ter podido conhecê-lo
e isso não acontecerá,
somente se um dia sonhar contigo, um sonho de mãe
dentro da paz azul, um sonho surreal, de imaginação feliz
e infinita
onde veria seu primeiro sorriso para mim.
Apenas, se for agora um espírito ao lado de Deus,
saiba o quanto te amamos, nesse bocadinho de tempo, de forma bonita e forte.
Esteja em paz e em amor em outra dimensão.
Tentaremos ficar bem por aqui na medida do tempo
até que qualquer dia desses, tudo faça sentido.
Continuemos, porque tem que ser assim...
- Juliana Caymmi

§§

Alto preço
Jogo pro ar palavras,
vão para as estrelas, descem ao inferno
elas saindo e eu acompanhando, perplexa!
vão aliviando minha alma e inquietando meu cérebro
aos que ouvem, bagunçam , destroem, reconstroem, subvertem, acolhem, gritam...
penso se isso é uma grande egoísmo .
por não suportar tanta coisa dentro de mim pulsando,
eu passo adiante, falo, digo com vontade!
Há um espanto e uma beleza nisso tudo
pq depois de um esforço imenso em optar pela claridade
me sinto mais leve, mais humana, mais corajosa.
mas e os que recebem o meu caos?
o que pensarão de mim?
Dessa liberdade que me proponho
e pela qual pago alto preço.
- Juliana Caymmi

§§

Da vida
Tudo o que disser será óbvio
Então não deveria ser dito
E mesmo assim há essa patologia
Essa necessidade
Esse vício estranho de tentar dissolver angústias.
Acendo o abajur, uma luz indireta me convém
Um uísque também nada mal, mas beber sozinho me arrebenta de culpa e é estranho.
Chet Baker e um sofá
Piazolla em seguida
Não cortarei meus pulsos
Apenas quero escorrer essa tristeza até a última gota
Espremê-la
Tomá-la numa taça
É melhor mesmo ir logo ao seu encontro
Evitá-la seria mesmo inútil
Me sinto sua presa fácil
Um minotauro que a passos lentos, anda calmamente atrás de mim
Com a velha certeza de conhecer todos os meus labirintos
Com a velha certeza que sempre me alcançará
Pois, já aprendi
Não há porque lutar
Me entrego sem me render
Até que tudo vá embora
Como um pequeno tornado
E depois fica aquele silencio e alívio
Um alívio quase-paz
Deixo, venha!
Depressa, venha
Faça logo o seu estrago
Mas me liberta de uma vez
Me consola de uma vez
Me acalma
- Juliana Caymmi

§§

Antes que eu me despeça
E antes que eu me despeça
me note um pouco, olhe minhas marcas, minhas cicatrizes.
Antes que eu me despeça
me pegue pela cintura, me descanse sobre o seu peito
ouça meus batimentos cardíacos
me faça um cafuné
beba um vinho comigo
vamos ouvir Chet Baker?
vamos correr pela chuva e mergulhar no mar vestidos?
Você ainda não me conhece
não viu todos os meus risos nem todos os meus desesperos.
- Juliana Caymmi

§§

Roteiro
dentro
bem dentro
bem forte
como no olho do furacão
rodando com força
estou no escuro da boca da onça
não no ventre da minha mãe
sem acolhimento
prestes a cair
e desabar
o vento sopra levantando a minha alma
tão frágil é a minha alma
tão cheia de curvas
qualquer um derruba
qualquer um me faz ver
a minha tristeza nesse espelho
meu coração cansado
minhas escolhas absurdas
meus semitons
essa canção em modo menor
sempre atormentando o meu roteiro
nesse filme preto e branco
cinza, frio e cafona.
- Juliana Caymmi

§§

Talvez seja isso mesmo,
meu romantismo bobo.
Eu e ele e ele comigo.
Aonde e quando ele surgiu em mim?
Ou será que já nasci assim?
Nunca consegui nao acreditar no amor,
Nunca consegui desistir,
sempre caí em sua teia.
Sempre!
Mas sou de um outro tempo
de um outro mundo...
Há uma pureza ainda no que espero.
Assumo" quase delírios", desejos, vontade do simples,
de viver o amor de um jeito aberto, terno, acolhedor...
Saio por aí e e nao vejo.
Saio por aí e nao sinto.
Poucos ainda acreditam na simplicidade,
maos entrelaçadas
um abraço feito de silencio
na DELICADEZA.
- Juliana Caymmi

§§

Final Feliz!
Você quer viver no absurdo
No submundo, no abismo
Quer reviver e viver as cenas de um filme clichê...
Pois não serei coadjuvante
Nasci para atriz principal
Mas não de um texto mal escrito
De cenários deprimentes
E falas repetidas.
Quero a surpresa da arte
seu véu envolvente.
Não aceito em minha vida esse resto...
Não estou para migalhas!
Quero uma cena bonita, um mar ao fundo
Certa poesia, música, música, música de verdade!
E por que não dizer que ainda pretendo um FINAL FELIZ?
- Juliana Caymmi

§§

Seu corpo 
Corpo
Corpo e cheiro
cheiro e tudo
tudo e dentro
dentro e beijo
beijo e corpo
movimento
pensamento,
pouco.
sentimento,
louco.
seu jeito
de me amar
e eu querendo entender
o que não pode se explicar.
Escuta, chega perto
escuta o meu coração...
- Juliana Caymmi

§§

O quarto do vento (1)
Janelas para o azul e o branco
um véu de espuma
areia fina dançando no vento
pensamentos curtos.
Meu primeiro dia sem nada
e tudo.
- Juliana Caymmi

§§

Quarto do vento (2)
Era uma casa antiga, esculpida pelo mar, casa de pescador. Desta vez não havia levado muita coisa. Apenas o necessário. E os meus livros favoritos, necessários também. Precisava reencontrar algum sentido na vida, a busca pela delicadeza. As conchinhas do mar talvez me salvem de mim, ou me joguem nas espumas do oceano. Vou amanhã pisar na areia, tentar achar algum búzio, encostar meu ouvido bem pertinho e tentar entender os segredos do mundo. Se não encontrar, não sei, vou olhar a paisagem e me largar no infinito.
- Juliana Caymmi

§§

Origem
Se fosse perfeito seria perfeito
Se fosse imperfeito, seria perfeito também...
Mas esse nada de nada
essa falta de eco
de abraço
esse gelo que nao derrete no calor
essa falta de amor permanente
é o que um dia já me fez muito triste
mas hoje já nao me derrota mais
- Juliana Caymmi

§§

Ele
Os que enxergam esse sol em você
Não podem ver a lua branca e cheia dentro do seu peito.
Há uma inesperada tristeza que te leva.
Mas nada que não volte depois para o mundo
E suas cores vibrantes.
Uns olhos noturnos que me puxam com força.
Seu corpo que me puxa com força.
Seu beijo que não me deixa voltar para o que eu era antes.
Há um céu que se abre
Há um riso guardado para mim
Uma estrela que só brilha quando estamos juntos.
A alegria de renascer
Dentro desse espaço
De abrigo, de abraço
De poder ser
o que se quer ser
- Juliana Caymmi

§§

Toca o sino pequenino...
Remo
sozinha
mesmo
só minha
tento
tontinha
achar razao no mundo.

Segundo o que sinto
até segunda ordem
é esse silencio tocando e repetindo
badalando como um sino
a minha sina de ficar sozinha
de ficar só minha
de repente
no grande e imenso vazio da minha mente.
- Juliana Caymmi

§§

Para dançar a vida
Eu vim dançar
com ou sem par.
Eu vim viver
e estrear a cada instante.
Amante do palco
eu sigo adiante
com música, harpa e sonhos.
Quero as minhas melhores risadas
as gargalhadas
soltas em mim.
Sou assim
e acho graça
no sorvete da esquina
na menina que sou
quando já não sou menina.
Sou assim,
e acho graça
no sol de manhã
na estrela cadente
no" jogo do contente'
no confete, na cuíca.
Na valsa de fim de tarde
cultivo a melancolia
que dança por pouco tempo em meu pensamento
mas resolve tudo que há...
Sou assim
e acho graça
Sou assim
Feita para mim
Com dor, alegria ou ferida
eu vim para dançar a vida.
- Juliana Caymmi

§§

Mal estar
Antes o que eu era?
Havia tanto sonho em mim
que mal podia respirar
Agora é essa realidade
Essa claridade
Me jogando na cara as imperfeições da vida.
Não sei o que era melhor, a insanidade na crença no mundo
Ou ver, tudo como sempre foi,
Ou sentir que a esperança é a coisa mais besta que existe
Pq verdadeiramente não há uma saída.
- Juliana Caymmi

§§

Corpo
Corpo
me conta um coisa 
como  pode me surpreender mais do que o vento no meu rosto no final de uma tarde lilás e vermelha?
como, depois de tanto tempo que te exploro e sei das suas simplicidades posso me comover como quando estou diante de uma tela que me desloca para um outro tempo e paisagem?
Corpo
me diga o que quer
e me submeta de vez aos teus caprichos...
meu castelo onde sou rainha
minha morada onde sou  mais minha
e mais tua
meu corpo apenas se deita, e se deixa levar como um rio
calmo
Você me atrai e repele
pois me assusta o tanto que me deixa cada vez mais nua
o tanto que já não consigo me esconder dos meus desejos
o tanto que já não sei o que é amor, o que é volúpia e o que é ser só
Dança comigo na lua
dança comigo em um bar de quinta
dança comigo, sua dama
nessa dança de um movimento
intenso e conjunto
nessa dança de sentimento
nesse compasso descompassado onde pulsa meu coração suado
minha alma quente
meu ventre comovido
meus ossos entregues
minha boca sem palavras
isso só pode ser amor vil
amor mundano
amor carnal
em um sonho que sonho acordada e feliz
- Juliana Caymmi

§§

Antes o que eu era?
Havia tanto sonho em mim
Que mal podia respirar...
Agora é essa realidade
Essa claridade
Me jogando na cara as imperfeições da vida.
Não sei o que era melhor, a insanidade na crença no mundo
Ou ver, tudo como sempre foi,
Ou sentir que a esperança é a coisa mais besta que existe
Pq verdadeiramente não há uma saída.
- Juliana Caymmi


****

  • Juliana Caymmi – cantora • compositora • poeta


Nada
Estou árida, como algumas paisagens que assustam.

Não sinto o manancial que antes nascia dentro de mim.

As ondas do mar não batem em minhas pernas,
e as conchas quando encosto os meus ouvidos, me recusam seus belos segredos.

Então vou me virando, me empurrando, me esforçando, para encarar todos esses dias tão desprovidos de arte e poesia.
Me sinto amarrada a um mundo cheio de contas para pagar e misérias continentais, pobrezas de espírito alheias, meus erros, meus próprios vazios, meus soluços repetidos como voz ecoando no infinito.

Não é certa tristeza que me rouba a criação, porque dela tantas vezes me aproveitei e me refiz em minhas esperadas lágrimas.

O que me espanta em mim é essa agoniante apatia, que não quer dizer nada, que não sabe nada, que não sente nada.
- Juliana Caymmi

§§

Terremoto
Enquanto te amo, o terremoto no Japão espalha a sua dor. Placas tectônicas se deslocam. Ondas gigantes devastam e arrastam coisas e pessoas.

Enquanto te amo, chove. As contas chegam, o pão pula da torradeira, a chave quebra na porta.

O mundo nao pausa, nem suspende.

Seria bom se você entendesse sobre esse amor e pudesse recebê-lo com alegria de primavera. Amar é mais fácil que ser amado. Receber pode ser muito difícil. O desprezo é aceito com uma suave naturalidade, mas o amor constrange.
Enquanto te amo, o feijão descongela na pia e me refaço a cada dia para te amar com poesia e sem medos dos meus e dos teus vazios.
- Juliana Caymmi

§§

Por que desabo em sentimentos que deságuam num mar que não sei onde fica? Há sempre uma angústia esperada, um desespero contido, um certo risco calculado, o salto, o salto... Como pode ser tão escuro o instante antes da luz? Posso ouvir agora o meu coração tão forte. Existem paisagens por aí para que meus olhos vejam e há tanto livros nao lidos... Mas posso sempre me repetir, nesse momento em que abro os braços. Nesse momento em que te espero e posso ser grande. Posso ser grande e me diluir no tempo. O beijo explica muita coisa não dita. Se tudo fosse simples como o girassol, ou o sorriso do meu filho... Se tudo pudesse ser dito, eu seria capaz de voar. Eu seria capaz de voar porque eu já sei voar. Sempre soube...
- Juliana Caymmi

§§

A boca dele
Ele estava mesmo falando outra lingua. Se estivesse falando Mandarim, saberia certamente mais que isso que sei agora. Sua boca fala, seu corpo fala, sua mente fala toda para mim. Que angústia nao entender nada. A boca abre e fecha e assume mil formas. O rosto fica grave, as maos crispadas. Um vento sopra lá fora me distraindo...Olho pela janela e percebo que existe mesmo algum sentido na primavera. Mas ele ainda está lá falando, falando... E eu me sentindo envergonhada, pois o fio da meada foi perdido e agora só sei prestar atençao no vento e nessas cores assumidamente felizes que vejo da janela do nosso quarto.
- Juliana Caymmi

§§

Quase alegria
Há algo que me inquieta e me enfraquece. O mundo lá fora e eu fora do mundo. E tudo aqui dentro chora ou ri intensamente. Dentro de mim há uma chuva que não para de cair e há um circo com sua melancolia sincera, sua quase alegria. O que vejo e sinto é que não sei mesmo lidar com a tristeza.
- Juliana Caymmi

§§

Fora de hora
Não consigo parar de rir quanto mais estou nervosa. Me dá até uma sensação gostosa que me remete às travessuras infantis. Não paro, mesmo nos ambientes mais solenes. Aliás, esses são os piores para que eu caia em tentação. Sempre os lugares mais formais e pessoas mais austeras, me provocam de repente em mim essa falta de freio. Essa criança louca... Mas depois, quando fica o silêncio, aí é duro. A risada vai ficando escassa e a Santa Inquisição ressurge como todo o seu vigor.
- Juliana Caymmi

§§

Menos passionalidade, menos envolvimento. Devo ser egoísta? O mundo a minha volta está cada vez mais sórdido, cada vez mais me causa náuseas. Se pudesse levar um cajado para o alto de uma montanha, faria agora. Ficaria eu e o céu, e toda a sua imensidão, todo o infinito e as nuvens com suas formas inesperadas. Minha cabeça talvez pudesse ficar vazia, e o meu coração sem impurezas. Descansar. Queria o vento no meu rosto, mas só há por aqui esse calor infernal e essa gente esquisita que não sabe fazer outra coisa que não seja a maldade. Um mundo mentiroso, é o que vejo. Ser adulta me exaure. Há tantos jogos que não sei jogar. Ainda bem! No dia que souber ser tão esperta, serei um nada de gente, não poderei me admirar. Prefiro ser amadora mesmo. Que riam! Querem zombar? Façam. Cuidado apenas, porque graças a Deus, as coisas comigo são imprevisíveis. Nunca fiquei desamparada e há sempre uma curva...sempre!
- Juliana Caymmi

§§

Entrega
Estou tão cansada hoje, que apenas deitaria ao seu lado, sem dizer palavra. Apenas esperaria ser compreendida sem ter que dizer nada.
- Juliana Caymmi


****

A mangueira infértil
Ouvi um escritor ontem na TV dizer que as pessoas que possuem incontinência verbal, não costumam escrever muito. Eu nem me angustiei, pois não sou escritora e nunca me considerei com tal. Minhas coisinhas são como diários de uma adolescente, embora esteja longe desta idade infernal. No entanto, também não me agrada a proximidade galopante com que estou indo em direção aos quarenta.

Ficaram gravadas em minha memória, talvez seja isso, as palavras de minha amada vó, que falava num tom que era ao mesmo tempo sério, fatalista e cômico: __ A velhice é uma merda!

Pois bem, cá estou usando as minhas palavras tolas e solitárias para me esquivar das tarefas domésticas. Tentativa de não me sentir tão culpada.

É chato lavar louça quando se quer não fazer nada. A mim, agora, me satisfaria deitar em meu sofá e ficar olhando essa mangueira que dá para ver da minha janela da sala. Esse ano, ela não deu uma manga se quer, a pobrezinha. Até que me senti culpada e responsável por isso. Antes de me condenarem pelo que fiz, me entenderão aqueles que tem uma mangueira em seu quintal e não contam com um exército de empregados para limpar os frutos e flores minúsculas do chão . Se não forem varridas, é um tormento. Juntam moscas, abelhas e outros insetos não identificados.

Fato é que me considero com remorso. Ano passado, praguejei tanto, reclamei enquanto espantava abelhas e moscas e limpava as mangas apodrecidas do chão, que até suspeito que a coitada ouviu e ficou inibida e infértil a pobre senhora. Digo senhora, porque já tem quase 100 anos.
Isso foi quase um pecado, afinal, foi quase uma maldição lançada por mim no verão passado. Em minha defesa, apenas posso dizer que não fiz por mal, não queria vê-la assim, tristonha. Tanto é que estou aqui, esperando, esperando... Cadê as minhas mangas queridas, doces, amarelinhas? Já disse a ela em pensamento, que nunca mais reclamarei de limpar o quintal.

Talvez, seja melhor dizer isso em voz alta. Os vizinhos já devem me achar louca mesmo, tanto faz. Xinguei, praguejei em voz alta, pedirei perdão em voz alta também. Talvez me ouça e façamos as pazes. Pobre árvore... Pobre de mim que não sei nada de árvores, muito menos de gente...

Ao menos uma coisa aprendi com isso, a força indiscutível do poder das palavras. Que força!
- Juliana Caymmi

§§

O lado de lá

Dentre tantas portas abertas entrei na mais escura.

Havia um frio lá dentro, quando entrei pelo portal daquele mundo estranho.

No início o silêncio ocupava tudo, e eu não me incomodava tanto, até que os gritos de agonia vieram, e interromperam o vazio.

Os gritos de desespero, as mãos erguidas em alto mar pediram socorro.

Eu sempre fui de ir, nunca de voltar

Eu sempre fui de amar, nunca de temer

E eu ia, mas a noite consumia os meus restos, minha pele, o brilho dos meus cabelos, meu sorriso, e feria a minha alma continuamente.

Depois que o resgatei das profundezas, o acolhi e soprei profundamente em sua boca, aquele sopro de vida que recebi quando nasci. 

Fechei aquela porta sombria.

Te levei para um abrigo, e ele tinha flores na janela. A noite se dissipou e por muito tempo houve claridade, música, alegrias e risadas altas. Cheiro de bolo, perfume, colo quente, chá de camomila, vento, e um amor que transcendia e fazia a gente levitar.

Era primavera, era outono, e as estações passavam sem nos incomodar...

Seu olhar turvo, opaco, teve luz. A tristeza foi ficando vazia, fraca, quase imperceptível, a não ser para os olhos mais atentos, como os meus.

Segurei em sua mão firme. Você não notou que eu transpirava  e estava ofegante, pois eu sempre fui a fortaleza, a torre inabalável, que não pode ser destruída. Íamos subindo todas as ladeiras e percorrendo os vales, passando pelos abismos, mas encontrávamos alguns pés de manga no caminho, onde nos deliciávamos como crianças vadias. Vinhos embriagantes, cores fortes, beijos intermináveis nos alimentavam na caminhada. Para onde caminhávamos? Não sei e até hoje não sei direito para onde vamos, só sei que não paramos um segundo sequer durante alguns anos e chegamos cansados e exaustos há lugar algum. Onde estamos?

Apenas sei que não estamos mais sós, temos outros conosco, e o peso de tudo nos abate um pouco a cada instante.  Mas eu sempre fui de ir, e quando seus pés não aguentavam mais, parei para respirarmos e tomarmos água. Paramos , mas não morremos.  O sorriso dos outros, a dependência dos outros, os mais frágeis, me comovia ainda mais. Força que me move , força que me puxa, força que me leva...
Te puxei pelo braço e não pude ler em seu rosto mais nada. Disse: Vamos, temos que continuar, não podemos temer.  Seus olhos não eram nem frios, nem opacos, nem tristes, eram olhos perdidos, pequenos, suplicantes. Onde estava a minha força agora? Você ainda está aqui? Você ainda está aqui comigo? Preciso saber, pois as minha pernas doem, meu peito arde, minha voz já quase não sai e nem sei se posso respirar direito.

Minha fragilidade saltou, e se alojou em minha alma. Refém dos meus fracassos que não só os outros, mas eu mesma me jogava na cara. O espelho já não me reconhecia, unhas roídas, rugas, mente etérea, eu quase não era mais nada, eu quase não era.

Eu pensava que te conduzia, mas nesse momento percebi que não. Minha energia vinha da nossa cumplicidade, do teu abraço e até mesmo dos seus pedidos silenciosos de ajuda.

Mas e agora?  Onde chegamos ? Por qual razão caminhei? Repentinamente a porta se abriu novamente, o vento frio chegou. Seu corpo voltou-se naquela direção e desta vez eu estava mais fria que o vento. Meu sangue estava petrificado. Meus pés estavam colados ao chão, já não podia fazer nada. Há uma escolha e ela tem que ser sua.

Você entrará pelo portal do medo, ou ficará comigo?

A força agora está contigo e eu já não posso decidir.
- Juliana Caymmi

****


Ganhei esse presente! Obrigada Paulo!
Nenhuma Borboleta Azul


Jujuba
[para Juliana Caymmi]

sei que ainda
lembra das muitas
vezes em que falamos de
cores de outono
e do frio que te faz suar
os pés ao mesmo tempo
em que sorrir
aquele sorriso hiperbólico
que só sai de suas canções
de seus doces e amores
das vicissitudes de tuas muitas
manias e vontades
repousa no meu colo o
teu gosto e tua pele e
me deixa
ser um
caso antigo
que caso contigo
ou
simplesmente
sibilar valsinhas ao pé do teu
ouvido (besteiras poucas que
sei cantar)
ou
lhe servir de adorno
ou
pelo menos ser o último
toco de guimba da madrugada
- Paulo Motta




Nenhum comentário:

Postar um comentário